Abstract:
Desde o saber biológico, o médico até o antropológico, o corpo feminino foi sendo objecto
naturalizado, medicalizado e aculturalizado, respectivamente. É na antropologia contemporânea
que o corpo feminino é concebido como produto (objecto) e produtor (sujeito) da cultura.
Alicerçado na antropologia da percepção de Csoardas (1990) e Jackson (1986), esta dissertação
tem o objectivo de compreender a violência e as traumas experimentadas por mulheres com o
corpo considerado acima do peso. Para este empreendimento, realizou-se uma etnografia
multisituada por meio da observação directa participante, de entrevistas semiestruturadas e
conversas informais para captar os vários contextos temporais e espaciais de interacção social
nos quais as mulheres vivenciam as suas experiências corporais. Com base nos resultados,
entende-se que a sociedade produz e reproduz percepções que consideram o corpo feminino
acima do peso socialmente inapropriado por se desviar dos padrões estéticos, físicos e médicos
corporais interpretados como normais. As mulheres enfrentam as violências simbólica e
psicológica, bem como traumas emocionais e físicos resultantes da reprovação e imposição de
normas reproduzidas pelos discursos de parceiros afectivos e de amizade nos grupos de pares,
especialistas de ginástica no ginásio, especialistas de saúde nas consultas médicas, actores
cibernéticos na internet. Esses discursos contribuem para que essas mulheres busquem cuidados
do seu corpo com recurso à uma combinação de métodos tais como ingerência de chás, dietas
milagrosas, exercícios físicos, entre outros que implicam sacrifícios alimentares e físicos, mesmo
que não partilhem todos as percepções que reprovam o corpo acima do peso. Conclui-se que as
violência e trauma enfrentadas pelas mulheres reflectem tanto a oposição quanto a
correspondência entre, de um lado, as suas interpretações e expressões do seu corpo e, do outro
lado, as percepções do corpo impostas pela sociedade vivencidas no quotidiano dos cuidados que
realizam sobre o seu corpo.