Abstract:
A transmissão vertical (TV) do HIV continua a representar um desafio de saúde pública em
Moçambique. Apesar dos avanços nas estratégias de prevenção, a taxa de TV permanece elevada,
em cerca de 12.3% em 2024. Estima-se que em 2023, o país tenha registado 18.000 novos casos
de infecções pediátricas por via vertical.
Objectivos
1. Analisar as características demográficas e a oferta dos cuidados clínicos as crianças de 0-
18 meses de idade HIV positivas, nomeadamente o diagnóstico precoce infantil e profilaxia
com ARV.
2. Analisar as características demográficas das mães das crianças, e o acesso aos cuidados
clínicos, nomeadamente, ao tratamento antirretroviral (TARV), carga viral e a associação
entre a idade e o estado de gravidez ou amamentação à entrada no programa; e a carga viral
e a adesão do TARV.
3. Identificar lacunas nos cuidados prestados às crianças HIV positivas e suas mães para a
PTV.
Metodologia
Foi feita uma análise secundária, retrospectiva, de dados de auditorias clínicas entre Outubro de
2022 e Setembro de 2024, em 124 unidades sanitárias das províncias de Manica, Niassa, Sofala e
Tete. A amostra incluiu 908 crianças e 902 mães HIV+, cujos dados foram extraídos de fichas de
auditoria. As análises estatísticas foram realizadas utilizando Tableau e STATA versão 15 onde
foram calculadas medidas de tendência central (médias, medianas), medidas de frequência
absoluta, relativa ou proporções e o teste Qui Quadrado de Pearson para determinar associações
entre variáveis maternas. Foi usado ainda o modelo sócio-ecológico do CDC para classificar a má
adesão das mães ao TARV.
Factores Associados à Transmissão Vertical do HIV: Análise dos Resultados das Auditorias Clínicas das Crianças HIV Positivas no
Programa Prevenção de Transmissão Vertical, em Manica, Niassa, Sofala e Tete, Moçambique, de Outubro 2022 à Setembro de 2024.
Resultados
Foram auditadas 908 crianças e 902 mães, em 124 unidades sanitárias. A média de idade das
crianças foi de 4,2 meses, 58% tinham mães que ingressaram no programa de PTV durante a
gravidez, e 40% durante a amamentação. A maioria delas (85%) nasceu em maternidades e 65%
receberam profilaxia antirretroviral. Das 467 crianças que iniciaram profilaxia dentro de 72 horas
após o nascimento, apenas 11% completaram as 12 semanas de profilaxia.
A idade média da mães foi de 27 anos, sendo 38% adolescentes ou jovens (≤24 anos). Embora
58% tenham iniciado o seguimento no programa durante a gravidez, apenas 4% iniciaram antes
das 12 semanas gestacionais. Observou-se associação significativa entre a idade materna e o estado
de gravidez ou amamentação de entrada no programa (χ2=13,77; p=0,0032).
A cobertura de TARV entre as mães foi de 90% (812/902). Dentre as 44% (356/812) que tiveram
a CV monitorada a supressão foi de 46%. Cerca de um terço das mães interromperam o TARV por
mais de 28 dias. A não adesão ao tratamento resultou de factores interligados onde cerca de 60%
foram causados por factores individuais e organizacionais, como esquecimento, partilha dos ARV,
medo de efeitos secundários, medo de estigma, 19% devidos a aspectos interpessoais, como falta
de apoio familiar e medo de revelar o estado serológico; 7% factores estruturais, como dificuldades
de transporte ou acesso a alimentos e por fim os factores comunitários, como estigma e normas
culturais com 4%.
Conclusões
Os resultados da avaliação apontam para múltiplos factores e perdas de oportunidade de oferta de
cuidados ao longo da cascata para a PTV, nomeadamente a demora no diagnóstico de HIV, o
início e completude da profilaxia infantil com ARV e má adesão materna ao TARV com
consequente não supressão viral. É imperativo implementar intervenções integradas,
multissetoriais e centradas na família, com foco na identificação precoce de infecção, retenção
em cuidados e apoio contínuo às mulheres vivendo com HIV, visando a redução da transmissão
vertical em Moçambique