Abstract:
Em Moçambique, 60% da população recorre à medicina tradicional para solucionar os problemas
que, na perspectiva do paciente, a medicina convencional não consegue resolver, em parte
devido a baixa cobertura do Sistema Nacional de Saúde, mas também devido a um conjunto de
valores culturais, crenças e práticas locais que os membros da população têm em relação a
doenças e saúde Este trabalho apresenta dados relacionados com as práticas tradicionais de prevenção de doenças em crianças dos 0 aos 5 anos de idades e factores associados, tendo como caso de estudo os
Distritos da Manhiça e KaMavota, Província e Cidade de Maputo, respectivamente Este trabalho é um estudo transversal quantitativo baseado num inquérito aos agregados
familiares. Os agregados foram selecionados aleatoriamente com base nas listas fornecidas pelo
Centro de Investigação em Saúde de Manhiça e pelos secretários dos bairros (no Distrito de
KaMavota)Perfazendo um total de setecentos e quarenta e quatro cuidadores de crianças, dos quais um foi
excluído da análise por ter dados incompletos. A idade dos respondentes variou entre 17 e 84
anos de idade, com uma média de 32.5 anos de idade. Ficou demonstrado que 82.6% dos
cuidadores usam medicina tradicional para manter suas crianças saudáveis, tendo sido as doenças
de infância mais mencionadas a doença da lua (convulsões e vómitos), mencionada por 37.0%
dos cuidadores, seguida de Xilala (Fontanela afundada, criança magra e com veias visíveis na
cabeça) (18.8%), Mbala ou Disco (mancha vermelha na nuca) (8.3%), Dzedzeze (Malária)
(8.2%), Rumbjana (hematúria / urina com sangue) (7.6%), Mukussuane (constipação ⁄ tosse)
(6.6%), e Xifuva (asma) (5.5%). As práticas levadas a cabo para prevenir doenças em crianças
são Kutsivelela (fumigação usando uma substância chamada baço/gordura de animais como vaca, tubarão leopardo e cobras) (53.2%), banhos com remédios fervidos (36.5%), incisões ou
vacinação tradicional (7.9%) e orações (2.5%). Um pouco menos que metade dos cuidadores
(42.8%) disse que tinha sido aconselhado pelas suas mães ou sogras para aderir as práticas
tradicionais, seguidos dos que o fizeram por iniciativa própria (29.6%) e daqueles que foram
aconselhados pelas (as) avó da cuidadora (16.7%) entre outros, mas as decisões finais para a
adopção das práticas mencionadas foram tomadas pelos (as) avós paternas das crianças (42.8%);
cuidadores pessoalmente (26.4%) e pelos pais da criança (17.1%). Os dados mostram que 85.7%
dos cuidadores que administraram remédios tradicionais às suas crianças disse que não conhecia
a composição dos remédios, enquanto 14.3% disse que conhecia. A percentagem dos que
conhecem a composição dos remédios é maior na Manhiça (24.1%) do que em KaMavota
(6.8%), provavelmente porque os cuidadores da Manhiça estão numa área rural e onde a
exposição ou familiarização com as fontes dos remédios (plantas, animais) á maior. A maioria
dos participantes que administraram remédios tradicionais as suas crianças (70.8%) acredita que
elas estão livres de todas as doenças para as quais foram prevenidas através da medicina
tradicional, mas 20.9% não comunga da mesma crença, incluindo alguns (7.0%) que não sabem
se suas crianças estão protegidas ou não. As cuidadoras que são filhas ou noras ou netas do chefe
do agregado têm 2.4 vezes mais chances de aderirem a práticas tradicionais para prevenir
doenças nas suas crianças do que aquelas que são chefes ou esposas dos chefes (p = 0.03).
Embora com um valor de p acima do limite de significância estatística, o residente na área rural
(Manhiça) tem 1, 6 mais chances de aderirem a prática de prevenção tradicional do que aquelas
que vivem na zona urbana (KaMavota) (p = 0.07)Em súmula, o presente estudo é inovador, actual e dos primeiros, senão o primeiro, em
Moçambique que aborda práticas tradicionais de prevenção de doenças em crianças usando
métodos quantitativos. A análise mostra que o grau de parentesco do cuidador com o chefe do
agregado e a área de residência constituem os factores mais importantes na adesão de práticas
tradicionais.