Abstract:
A presente pesquisa analisa o imaginário que permeia o uso de contracepção entre mulheres na cidade da
Beira. A questão tem sido explorada na literatura em três abordagens . A primeira abordagem considera
informação com factor importante para o conhecimento e uso dos métodos contraceptivos (Manuel 2007;
Costa, et al 2013;Santos e Nogueira 2009 e Guimarães e Witter (2007). A segunda, abordagem aponta para
a multiplicidade de factores que condicionam o uso da contracepção, (Brandão e Cabral 2017; Pedro et al,
Carreno et al 2006; Durante 2012 e Pirrota, 2002). E a terceira, abordagem a ponta para as dinâmicas
contextuais que determinam o uso da contracepção no cotidiano (Sive, 2018).
Esta literatura, se por um lado, permitem-nos compreender a informação como um factor relevante para o
conhecimento e consequente uso dos métodos contraceptivos; reconheçam a presença da multiplicidade
factores que condicionam o uso da contracepção e não obstante lógicas contextuais do uso da contracepção;
por outro lado, ao assumirem uma análise fragmentada sobre o uso da contracepção, ficam por compreender
como as lógicas que estruturam o uso da contracepção dialogam com as categorias sociais em determinados
contextos sociais.
Para responder a esta pergunta, realizei uma pesquisa etnográfica na Cidade da Beira, na qual explorei as
narrativas sobre trajectórias sexuais e reprodutivas das participantes, desde as práticas sexuais iniciais, o
contacto com a contracepção, e do seu uso no quotidiano. A partir do material recolhido , mostro como
apenas pessoas do sexo feminino consideradas “Mwanacadzi” são tidas como usuárias legítimas da
contracepção em detrimento das “Mwana”, tidas como inelegíveis ou como usuárias ilegítimas da mesma.
A referida distinção resulta de um imaginário dominante no contexto de pesquisa, um imaginário reforçado,
de forma ambígua, pelos discursos e narrativas disseminados ao longo da história da vigência dos
programas de Planeamento Familiar implementados no país.
O referido imaginário reconhece às “Mwanacadzi” a legitimidade para praticar relações sexuais e procriar
motivo pelo qual podem ter a necessidade de prevenir uma gravidez, o que torna justificável e legítimo o
uso da contracepção. De forma contrária, as “Mwanas” são consideradas inaptas ou sem legitimidade para
praticar relações sexuais e procriar motivo que tornaria desnecessário e ilegítimo o recurso ao uso da
contracepção por parte delas. A descoberta da busca ou uso de contracepção pelas “Mwana” ocasiona
ostracização e discriminação das mesmas e das pessoas responsáveis por elas.
Nesse sentido, diferentemente dos estudos revisados sobre este assunto, a presente pesquisa para além de
apontar para a relevância da contextualização da contracepção para compreender a sua aceitabilidade e uso;
nos ajuda a perceber como a aceitabilidade e o uso da contracepção, são condicionados pelo reconhecimento
da legitimidade para praticar relações sexuais que tornaria legítimo o uso da contracepção.